terça-feira, 3 de junho de 2008

CARTA A MUITOS AMIGOS


SOBRE A NECESSIDADE DUM PLANO IMPERATIVO
De há muito que qualquer empresa sabe que deve possuir um plano estratégico, um plano de negócios e um plano financeiro.
Até o dono de uma empresa artesanal, um camponês analfabeto organiza a vida da sua empresa, da sua machamba.
No Estado, depois do período em que havia a Comissão Nacional do Plano, transformamos o nosso plano num mero indicador e sujeito aos ditames das modas dos doadores.
Errámos ao integrar o Plano e Finanças num único Ministério, pois na prática subordinamos o Plano às Finanças e abandonamos o princípio de que as Finanças deviam exprimir os imperativos financeiros do Plano e subordinar-se a este. Ao voltarmos a separar as duas instituições não garantimos, porém, a supremacia suficiente do Plano.
O Plano deve necessariamente elaborar-se em diálogos horizontais e transversais, da base para o topo e do topo para a base, integrando as variadas componentes, e nunca admitindo que se estabeleçam compartimentos estanques entre os sectores e os níveis.
Num país sujeito ciclicamente a secas e inundações porque não se conceber que uma ponte sobre um riacho disponha de um açude e comportas e finalmente se faça a partir dela um sistema de lagoas artificiais e de irrigação?
Ao reabilitar-se a Ponta de Dona Ana, apesar de advertências e insistências desprezou-se a instalação dum batelão, forçando as viaturas a aumentarem de centenas de quilómetros para irem de Sena ou Caia para Mutarara? Estamos a construir a Ponte do Caia, pensando apenas na comunicação rodoviária e ignorando que muito provavelmente nos próximos cinco ou dez anos necessitaremos de ligar a Linha de Sena com a de Nacala.
Porque não se faz um plano de manutenção permanente das estradas, prevenindo as reabilitações caríssimas e forçando-nos a conduzir em zig zag como ébrios, uma maneira de evitarmos as crateras que se vão abrindo? Porque não conceber, desde o início as valas de drenagem que escoam as águas que podemos voltar a utilizar em lagoas artificiais?
Tratar-se de opções mais caras? Mas estamos há anos a poupar no farelo desperdiçando o milho, contando o tostão para esbanjarmos o milhão para gáudio das construtoras, quase todas estrangeiras e dos que, sorrateiramente cobram comissões ilícitas e encarecendo as obras.
Dois distritos contíguos não deveriam coordenar a aplicação dos seus fundos próprios, mesmo se pertencendo a províncias diferentes? Se até dois Estados o fazem, porque não valorizarmos essas experiências no trabalho que levamos a cabo?
O Plano do Distrito não deve inserir-se no Plano da Província? Não deverá a Província de Inhambane coordenar com as vizinhas de Gaza e Sofala? Poderá a Zambézia conceber o seu Plano sem que considere a articulação com Nampula, Sofala, Tete?
A essência do plano está na coordenação. Fá-lo a mamã quando ao cozinhar organiza os diferentes ingredientes e condimentos antes de tudo levar ao fogo, separada ou conjuntamente. Não corre para a loja comprar o sal depois de colocar a panela ao lume.
Com um Plano devidamente articulado e coordenado na multiplicidade das componentes e variáveis maximizamos a utilização dos meios sempre escassos que estão ao nosso dispor. Por outras palavras, com o mesmo dinheiro obtemos mais.
Um plano de desenvolvimento estende-se por um período que não se compadece com os orçamentos anuais. Fizemos uma agenda que se estende por vinte e cinco anos no horizonte. Antes, havíamos concebido o PPI que, em dez anos, se propunha estabelecer as bases duma economia sustentável e assegurando a descolagem do país.
Lançámos tudo para o caixote do lixo e estes documentos deixaram de se afirmarem como pontos de referência. Creio que algo está errado. Não podemos subordinar o desenvolvimento às visões transitórias de Bretton Woods ou do Milénio. Estejamos seguros de que quem paga a orquestra encomenda a música.
Nesta submissão a quem paga a orquestra, não estamos a explorar os benefícios a montante e jusante dos mega projectos que se instalam. Até nos damos ao luxo de exportarmos como meras matérias-primas a energia e o gás, em vez de assegurarmos a transformação dentro do país forçando a implantação em Moçambique das indústrias consumidoras de energia ou transformadoras do gás em energia e químicos. Devemos saber o que queremos para podermos discutir com o investidor, que esse sabe bem o que quer e conhece o seu plano.
Através do debate e inventariação das ideias quando elaboramos os projectos dum Plano integrado horizontalmente e verticalmente vamos afirmando o querer nacional e consensual.
Abraço a supremacia do Plano,
Sérgio Vieira
P.S. Os moçambicanos aceitarem inúmeros sacrifícios, mortes e destruições para que se eliminasse a praga do racismo e do apartheid no Zimbabué e África do Sul.
Nesses anos de penas e martírio os cidadãos desses países irmãos aqui encontraram abrigo, amparo, comida, abrigo, os seus dirigentes receberam protecção, e ninguém os considerou refugiados, oferecemos o tratamento protocolar próprio a quem representava os seus povos em luta.
Nos anos 80 algumas autoridades do Zimbabué maltrataram moçambicanos, deportando-os como quem expulsa animais daninhos.
Na conjuntura actual muitos milhares de cidadãos do Zimbabué vêm e ilegalmente, buscar em Moçambique oportunidades de sobrevivência que lhes são negadas pela conjuntura atravessada pela sua Pátria. Tratamo-los com dignidade, pese a pobreza, a miséria e o desemprego que ainda nos assolam.
Agora vemos na África do Sul bandos de malfeitores atacando, pilhando e assassinando cidadãos nossos que nas minas, nas empresas, nas explorações agrícolas, na construção criam rendimentos e prosperidade para a nova África do Sul.
Não o pode fazer em público a diplomacia, mas devemos nós cidadãos exprimir a nossa mágoa e dizer alto que a libertação que ocorreu também foi regada pelo sangue e lágrimas dos moçambicanos.
Abraço a fraternidade entre os Humanos e o respeito estrito da dignidade humana,
Sérgio Vieira
DOMINGO – 01.06.2008

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