segunda-feira, 19 de maio de 2008

Falsas alegações sobre a nacionalidade da PM

O Governo esteve durante as sessões parlamentares de quarta e quinta-feira da semana passada na Assembleia da Republica para responder às questões dos deputados, mas alguns membros da oposição, em vez de fazer perguntas pertinentes sobre a observância do seu programa quinquenal, aprovado por aquele órgão legislador em 2005, exigiram saber se a Primeira-Ministra moçambicana, Luísa Diogo, é realmente uma cidadã moçambicana.
Assim, António Muchanga, pela bancada parlamentar da Renamo-União Eleitoral, exigiu “esclarecimentos” sobre a nacionalidade de Diogo, ao mesmo tempo que o seu colega de bancada, Francisco Maingue, proclamou que a nacionalidade de Luísa Diogo é “duvidosa”.
À primeira vista, parecia que estes deputados tinham perdido noção das coisas. Porque não se pode entender como é que uma mulher negra moçambicana, nascida na província de Tete, indiscutivelmente de pais moçambicanos, poderia ser considerada como “não moçambicana”?
Mas não - Muchanga e Maingue não tinham ficado temporariamente insanos. Eles tinham somente cometido o erro de levar a sério o semanário “Zambeze” cuja manchete na semana anterior perguntava assim: “A Primeira-Ministra é moçambicana?'.
O “Zambeze” publicou o certificado de casamento de Luísa Diogo de 1981, que indica que o seu marido é António Albano Silva. Em seguida publicou a certidão de nascimento que mostra que este nasceu em Mirandela, no norte de Portugal, em 1950.
Ora, isto não é exactamente notícia quente. O casamento entre Luísa Diogo e Albano Silva não é segredo nenhum, e o seu esposo nunca escondeu as suas origens portuguesas.
Mas o “Zambeze” também resgatou na poeira do tempo, a antiga lei moçambicana da nacionalidade de 1975. Nela há uma cláusula repugnante que afirmava que qualquer mulher moçambicana que após a independência se casasse com um homem estrangeiro perderia a sua nacionalidade. Esta cláusula é obviamente discriminatória, uma vez que não havia nenhuma cláusula obrigando também os homens moçambicanos a perderem a nacionalidade moçambicana quando se casassem com mulheres estrangeiras. Provavelmente esta cláusula foi sempre inconstitucional, se bem que ela nunca foi testada nos tribunais.
O argumento do “Zambeze” é que Luísa Diogo perdeu a nacionalidade moçambicana quando se casou com Albano Silva, em 1981, e nunca fez qualquer tentativa de voltar a adquiri-la mais tarde. Assim sendo, para este semanário, a Primeira-Ministra não é moçambicana.
Toda esta argumentação depende da falsa premissa de que Albano Silva não é um cidadão moçambicano. A AIM, no entanto, viu as fotocópias dos documentos que provam que Albano Silva pediu a nacionalidade moçambicana em 15 de Setembro de 1975, menos de dois meses após a independência do país em 25 de Junho de 1975.
O artigo 6º da então Lei da Nacionalidade de 1975 declarava que qualquer pessoa nascida fora do país que tivesse vivido mais de metade da sua vida em Moçambique, poderia adquirir a nacionalidade moçambicana. Ora, Albano Silva tinha na altura 24 anos a viver então em Moçambique desde que havia chegado ainda criança de Portugal, daí que reunia as condições e por isso mesmo requereu logo a nacionalidade moçambicana.
Só que a burocracia moçambicana se move tão lentamente que foi somente em Setembro de 1977 que os Serviços Notariais emitiram o “Assento de Nacionalidade nº 387”, que afirmava que a Albano Silva tinha lhe sido efectivamente, concedido a nacionalidade moçambicana. Mas, mesmo antes disso, em 30 de Janeiro de 1976, emitiu-se um bilhete de identidade moçambicano para Albano Silva, no qual constava uma declaração acompanhante afirmando que o BI foi emitido porque ele tinha depositado todos os documentos necessários para a aquisição de nacionalidade moçambicana junto dos Registos Centrais e cumprido todas as condições exigidas pela lei.
Portanto, Albano Silva é um cidadão moçambicano e tem sido desde 1977 - quatro anos antes de se ter casado com Luísa Diogo. A história do 'Zambeze' e, consequentemente, as insinuações da Renamo baseadas na mesma tese não têm nenhuma sustentação legal.
Quanto à ideia de que Luísa Diogo se tornou uma cidadã portuguesa, pelo simples facto de que Silva também registou o casamento em Portugal, esta é completamente absurda. No entanto, logo que se tornou claro que o 'Zambeze' estava destinado a desafiar a nacionalidade de Luísa Diogo, um pedido foi enviado para o Registo Central em Lisboa, que se pedia para se esclarecer se haverá uma mulher chamada Luísa Dias Diogo, nascida na província moçambicana de Tete, a quem alguma vez se concedeu a nacionalidade portuguesa.
E de volta veio a resposta: Não. Ou, para dar a resposta na íntegra: 'Não foi localizada qualquer registo de aquisição de nacionalidade portuguesa que lhe respeita, nem qualquer pedido de aquisição de nacionalidade portuguesa, formulada recentemente ou no passado, com fundamento no seu casamento com António Albano Silva, ou por qualquer outra razão”.
A questão da dupla nacionalidade é uma questão separada. A actual Constituição moçambicana, aprovada em Novembro de 2004, permite a dupla nacionalidade, se bem que a de 1975 não permitia. Esta de 2004 afirma, porém, que as pessoas que são cidadãos moçambicanos não podem, dentro de Moçambique, utilizar qualquer outra nacionalidade que possuam. Isto significa que um moçambicano não pode, por exemplo, recusar pagar impostos moçambicanos, ou evitar o cumprimento do serviço militar, invocando a protecção de alguma outra nacionalidade.
A desajeitada tentativa de “provar” que Luisa Diogo não é moçambicana, não é um incidente isolado. O “Zambeze” vem executando uma “vingança” contra Albano Silva e sua família há anos. Albano Silva está actualmente a processar o “Zambeze” por causa de uma história que alega que ele e sua esposa, Luísa Diogo, usaram dinheiro do Tesouro moçambicano para comprar um apartamento em Lisboa.
A campanha do “Zambeze” chega a espalhar mentiras sobre processos judiciais. Assim, na edição de 8 de Maio traz na sua manchete a alegação de que Albano Silva não tem qualquer prova de que houve um atentado contra a sua vida. Ao fazer esta alegação, o “Zambeze” está a agir meramente como uma câmara de eco fiel a Momad Assif Abdul Satar ('Nini') e seu irmão, Ayob Abdul Satar, os dois empresários acusados de ordenar a tentativa de assassinato de Albano Silva em 1999.
Em julgamento perante o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo os dois irmãos sugeriram que Albano Silva tinha inventado o atentado. Mas na passada sexta-feira, dia 9 de Maio corrente, duas testemunhas, nomeadamente os jornalistas moçambicanos Marcelino Alves e Jaime Cuambe, declararam que eles tinham visto o buraco da bala na janela do carro de Albano Silva, e que, após o ataque, o advogado estava num estado de choque total e de pânico. Porque a sua versão dos acontecimentos não condiz com as declarações dos irmãos Satar, o “Zambeze” simplesmente suprimiu estas duas testemunhas e, portanto, deliberadamente omite factos importantes aos seus leitores.
O “Zambeze” também publica, ao longo de quase duas páginas, um anúncio pago por Ayob Satar, denunciando alegados erros na reportagem do julgamento pelos jornais “Notícias'” e “Domingo”. Nesta aberração, no entanto, o “Zambeze” não está sozinho - outros jornais privados também não vêem nada errado em estampar publicidade para criminosos já condenados.
Com efeito, Ayob Satar é um dos seis homens condenados em Janeiro de 2003 pelo assassinato do jornalista Carlos Cardoso, uma sentença que foi confirmada já pelo Tribunal Supremo em Fevereiro de 2007. Este veredicto deveria ter encerrado as portas dos órgãos de informação contra propaganda feita pelos irmãos Satar na capa de publicidade. Mas parece que alguns jornais não se importam com a proveniência das suas receitas de publicidade.
PAUL FAUVET, da AIM

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