quarta-feira, 14 de maio de 2008

Insólito na Saúde: Mecânico com bata de ginecologista

Um jovem de mil e uma profissões, entre as quais a de mecânico, foi denunciado, desmascarado e posto fora de acção, depois de ter assistido, durante três anos, várias pacientes na qualidade de médico especialista em ginecologia do Hospital Central de Maputo (HCM).
Nelson Bata, de 29 anos de idade e natural da Beira, em Sofala, está detido desde segunda-feira numa das esquadras da capital, local para onde se dirigiu, ainda na qualidade de médico ginecologista, a fim de prestar declarações sobre o crime de agressão física à sua esposa, de nome Isa, por sinal, quem o denunciou às autoridades policiais e forneceu pistas para a descoberta da farsa. Entretanto, na sua reacção, a Direcção do Hospital Central de Maputo diz ter tomado conhecimento do caso através da Polícia da República de Moçambique, daí precisar de pelo menos 48 horas para investigar o caso e se pronunciar. A esposa do falso médico, com quem tem um filho de apenas um mês, está a formar-se em Direito, na Universidade Eduardo Mondlane.Nelson Bata revelou ontem ao nosso Jornal todas as suas artimanhas usadas ao longo desses três anos. Referiu, por exemplo, que já perdeu a conta do número de pacientes que atendeu no período em que vestiu a bata de falso médico. Confessou também que mentiu para os seus pacientes, amigos e alguns familiares, dizendo que trabalhava no maior hospital do país e em clínicas privadas de referência na cidade, tal é o caso da `222´, onde o fazia na qualidade de reputado ginecologista moçambicano formado na Europa.O mecânico, de sangue frio, não só teve a veleidade de entrar na sala de ginecologia e observar pacientes como também improvisava gabinetes em locais como Urologia, Medicina e Anatomia Patológica para atender aos pacientes que, segundo dizia, não ter tempo. Quanto aos medicamentos que receitava, o trapaceiro disse que os tirava na farmácia, onde já era conhecido como médico. Em relação a este ponto, um dos técnicos de farmácia, de nome Bernardo Fernando Mulhanga, ouvido ontem pela Polícia, confirmou que conhecia Nelson Bata como `Doutor´, e que pela forma como se apresentava e o seu à-vontade na abordagem de assuntos da saúde com outros funcionários nunca chegou a desconfiar que se tratasse de um burlão.Para além de observar pacientes no HCM e circular livremente em diversas enfermarias onde se apresentava como especialista em ginecologia, Bata angariava pacientes fora e cobrava avultadas somas em dinheiro, e depois pedia aos seus `colegas´ para que os atendesse, alegando estar bastante ocupado. Era assim que sempre agia.Questionado sobre a facilidade de circulação naquele hospital, o mecânico disse que isso deveu-se às amizades que havia criado com alguns funcionários. Fala, por exemplo, de um enfermeiro de nome Freedson Lourenço Chuanga e do médico generalista Clésio Ilton Zaqueu, que os acusa de terem facilitado toda a sua movimentação, aquisição de medicamentos e tratamento a alguns pacientes. Entretanto, após a descoberta e denúncia deste indivíduo pela respectiva esposa, várias pessoas dirigiram-se ontem à esquadra para reclamar uma série de burlas cometidas pelo `médico ginecologista´. No conjunto destas estão uma paciente que foi atendida por Nelson Bata, um outro jovem que reclama mais de 17 mil meticais, quantia referente à compra de indumentária para a sua boa imagem, bem como o pagamento de alguns tratamentos que não chegaram a surtir nenhum efeito. Quem ficou boquiaberta com esta `novela´ de Nelson Bata foi a sua segunda parceira, de nome Ester Joaquim Neves, 24 anos, que acompanhou a história, via televisão. Mãe de gémeos (com um ano e meio de idade) partiu para testemunhar in loco o que não acreditava ter visto pelos ecrãs. Chegada à esquadra onde o burlão está encarcerado, foi difícil convencê-la sobre esta história que ouvia pela primeira vez, já que, para ela, Bata, não passava de um simples mecânico de automóveis. Bastante emocionada, chorou copiosamente diante do comandante da esquadra, procurando digerir a nova realidade em que havia caído, já que na véspera haviam estado juntos. `E agora, o que será de mim e os meus filhos?´, indagava a jovem entre soluços.A história deste vigarista começa na cidade da Beira, na província de Sofala, onde diz ter nascido. Segundo suas próprias palavras, fez o ensino básico numa das escolas do distrito de Gorongosa, formando-se depois no Instituto de Ciências de Saúde da Beira, em 1997. Após a sua formação diz ter sido afectado como técnico de farmácia em Caia e mais tarde em Marromeu. Lá, segundo ele, cometeu graves irregularidades e depois foi expulso, tendo regressado à cidade da Beira, já como um desempregado. Em princípios de 2006, Nelson Bata escala Maputo e vem residir em casa de uma sua irmã. Enquanto fazia reconhecimento da cidade, encontrou-se com vários amigos de infância e conterrâneos seus e, a partir destes foi criando outras novas amizades. A uns dizia que tinha se especializado em ginecologia na França e África do Sul e que só estava em Maputo por curto tempo, e a outros dizia que já estava a trabalhar no Hospital Central de Maputo e que só faltava a sua admissão efectiva. Nas suas novas amizades, o trapaceiro foi recolhendo vários contactos e passou a frequentar a roda de amizades onde se identificava como médico recém-formado no estrangeiro. Teria sido nessas suas relações que ele encontrou-se com um amigo de infância, de nome Clésio Ilton Zaqueu e que estudara com ele em Gorongosa. Depois de ter sabido que Clésio Zaqueu é formado em Medicina Geral, pela Universidade Eduardo Mondlane, Bata apresentou-se como médico e a partir disso reataram uma antiga relação de amizade quanto mais não fossem todos médicos.Nelson Bata não explica como é que conseguiu arranjar o crachá que ostentava o logotipo do HCM e as suas funções, mas diz que o estetoscópio, a bata e as calças de médico pediu-os emprestado a Clésio Zaqueu, alegando que o seu uniforme ainda estava por receber, algo, segundo ele, prontamente aceite pelo amigo, porém na condição de que os devolveria. A partir daí começou a ir com mais frequência ao hospital que já o conhecia muito bem, pois lá estivera vezes sem conta na condição de paciente. E quando lá chegou `encartado´ a médico ginecologista diz que os funcionários do hospital não desconfiaram nada, pois a indumentária, o crachá e o estetoscópio conferiam-lhe o ar de um médico especializado em ginecologia.E assim foi enganando meio-mundo até que a bomba rebentou.

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